Função da audiência
Para a representante da APT no Brasil, Sylvia Dias, as audiências de custódia constituem uma salvaguarda única e decisiva para identificar indícios de tortura e maus-tratos. O procedimento corresponde ao ato processual que garante que toda pessoa presa em flagrante ou por força de um mandado judicial seja ouvida por um juiz em, no máximo, 24 horas, para analisar a legalidade e as condições da prisão.
“O fato de quase um quarto das pessoas detidas relatar agressões ou maus-tratos revela um cenário alarmante que exige medidas imediatas de apuração e, quando houver indícios de violência policial, o relaxamento da prisão. Contudo, a naturalização da violência policial e o descrédito da palavra da pessoa custodiada continuam prevalecendo”, avalia.
Segundo o IDDD, a análise dos dados evidencia que a virtualização das sessões, intensificada durante a pandemia, agravou problemas estruturais e fragilizou a função essencial das audiências, que é verificar a necessidade e legalidade das prisões, coibir abusos e prevenir a violência policial.
“O levantamento, feito em parceria com universidades e pesquisadores, indica que avanços normativos não se traduzem automaticamente em práticas adequadas, e que a efetivação desses marcos depende de maiores esforços de implementação por parte do poder público”, mencionou o IDDD, em nota.
Mesmo assim, ressalta a entidade, a modalidade virtual segue predominante. Dados da plataforma Observa Custódia, desenvolvida pela APT, mostram que, em 2024, apenas 26% das audiências foram presenciais; outras 34% ocorreram por videoconferência e 40% alternam entre os dois formatos.
A pesquisa mostrou ainda que as sessões virtuais acontecem majoritariamente em locais inadequados, já que apenas 26% foram feitas a partir de uma sede judicial, como determina a Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O restante das audiências ocorreu em lugares como delegacias e unidades prisionais.
A presença física da defesa também foi considerada exceção, porque somente 26,2% das pessoas custodiadas tiveram advogado ou defensor público ao seu lado nas audiências virtuais. Considerando essa parcela de pessoas sem acompanhamento presencial da defesa, 37,5% delas ainda apareciam cercadas por policiais durante a sessão, o que costuma inibir denúncias de agressões.
De acordo com o IDDD, quando o juiz está presente no mesmo ambiente da pessoa custodiada, a condução da audiência é considerada 25,3% mais efetiva para investigar denúncias de violências “o que inclui registrar sinais visíveis de tortura e buscar testemunhas”.
Raça e gênero
Entre pessoas negras que denunciaram violência, 27,9% não tiveram qualquer encaminhamento judicial para apuração, contra 17,8% entre pessoas brancas.
“A diferença revela que os relatos de pessoas negras tiveram menor probabilidade de gerar respostas institucionais, mesmo quando as denúncias são formalizadas”, avaliou o IDDD.
Para a entidade, o resultado confirma o impacto do racismo institucional na rotina das audiências.
Na análise de gênero, a pesquisa mostrou que, mesmo quando mulheres têm filhos menores de 12 anos, hipótese que autoriza a substituição da prisão preventiva por domiciliar, segundo o Marco Legal da Primeira Infância, a taxa de encarceramento praticamente não muda: 28,9% entre mães e 29,3% entre as demais mulheres.